As coisas
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento."
Sonetos que não são
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."
Quando
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente."
Quarto em desordem
"Na curva perigosa dos cinqüenta
derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor
que não sabe como é feita: amor
na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar
a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo
verdade tão final, sede tão vária
a esse cavalo solto pela cama
a passear o peito de quem ama."
{imagem: Stafan Beutler}
Blas fêmea
Há uma vastidão de desejos
entre os teus seios...
...que ira maior poderia haver
que o varrer dos meus dentes
no teu ventre?
E me deixar
sumir em teus abismos
Nem os braços abertos de um cristo
tanto fariam.
Iludiriam mesmo a alma
do mais crente dos homens
(não são para mim, demasiado humano)
mortal demais,
insano
indigno dos teus lençóis."
Vem!...
L´Arca di Noé
{composição: Sérgio Endrigo}
"Un volo di gabbiani telecomandati
e una spiaggia di conchiglie morte
nella notte una stella d'acciaio
confonde il marinaio
strisce bianche nel cielo azzurro
per incantare e far sognare i bambini
la luna è piena di bandieri senza vento
che fatica essere uomini
partirà
la nave partirà
dove arriverà
questo non si sa
sarà come l'Arca di Noè
il cane il gatto io e te
un toro è disteso sulla sabbia
e il suo cuore perde kerosene
e ogni curva un cavallo di latta
distrugge il cavaliere
terra e mare polvere bianca
una cità si è perduta nel deserto
la casa è vuota non aspetta più nessuno
che fatica essere uomini
"Um vôo de gaivotas tele-guiadas
e uma praia de conchas mortas.
Na noite uma estrela de aço
confunde o marinheiro.
Riscas brancas no céu azul
para encantar e fazer sonhar os meninos.
A lua está cheia de bandeiras sem vento.
Que fatiga ser homens!
Partirá, a nave partirá,
onde chegará, isto não se sabe.
Será como a Arca de Noé,
o cachorro, o gato, eu e você.
Um touro está estendido na areia
e seu coração perde querosene.
A cada curva um cavalo de latão
destrói o cavaleiro.
Terra e mar, poeira branca,
uma cidade se perdeu no deserto.
A casa está vazia, não espera mais ninguém.
Que fatiga ser homens!
Partirá, a nave partirá,
onde chegará, isto não se sabe.
Será como a Arca de Noé,
o cachorro, o gato, eu e você.
Partirá, a nave partirá,
onde chegará, isto não se sabe.
Será como a Arca de Noé,
o cachorro, o gato, eu e você.
Partirá, a nave partirá,
onde chegará, isto não se sabe.
Será como a Arca de Noé,
o cachorro, o gato, eu e você.
Partirá, a nave partirá,
onde chegará, isto não se sabe.
Será como a Arca de Noé,
o cachorro, o gato, eu e você."
Bom demais sô!
Happy day
Buena semana
"Que Deus nos dê uma boa semana,
alegres e sãos
Que meus filhos sejam abençoados
Deus permita que eles vivam,
alegres e sãos
Que Deus nos dê uma boa semana,
alegres e sãos
No momento de dar nome
e da circuncisão
No momento de colocar os filactérios,
alegres e sãos
Que Deus nos dê uma boa semana
alegres e sãos"
Nova semana
Imaginarium
Esses felinos...
Menina, mulher
Onde a menina que transpôs a porta?
Cá dentro a mulher se mostra,
Entre beijos e abraços,
Entrelaçados!
Sonhamos?
Sua pele me desperta desejos,
Seu sorriso me liberta o coração,
E seu olhar...
É minha prisão!
Ainda guardo o sabor do último beijo,
Ainda tenho na retina sua imagem...
Sua mão a dizer-me adeus,
e seu olhar a pedir-me mais um beijo...
Suave,
Intenso,
Real!
Serenos
{imagem: Elena Platonova}
Do teu cheiro
sal impregnado em meus lábios
que me mata de sede
à beira da fonte dos teus prazeres.
O teu gosto na minha boca
mel que sacia meus desejos
na hora derradeira
do medo de te perder
em meio aos lençóis.
O teu cheiro impregnado
no meu corpo
perfume raro que nem a chuva
leva de mim..."
Por decoro
"Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;
quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;
os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranqüilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,
que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira."
Mãos em ação
Sei lá!
Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo...um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador..."
Eternidade inútil
Em algum lugar
Carinho tem sexo?
Até já
Nova semana
Clausura
Melhor de nós
Quanta dor!
Não posso adiar o amor
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração."
Deslumbre
Pedacinhos
"Pra que ficar juntando os pedacinhos
do amor que se acabou
Nada vai colar,
nada vai trazer de volta
a beleza cristalina do começo
e os remendos pegam mal
Logo vão quebrar
Afinal a gente sofre de teimoso
Quando esquece do prazer
Adeus também foi feito pra se dizer:
Bye bye, so long, farewell...
Pra que tornar as coisas tão sombrias
na hora de partir
Por que não se abrir
Se o que vale é o sentimento
e não palavras quase sempre traiçoeiras
e é bobeira se enganar
Melhor nem tentar...
Afinal a gente sofre de teimoso
quando esquece do prazer
Adeus também foi feito pra se dizer:
Bye bye, so long, farewell..."
Bom demais
Essa sua forma tão segura de conduzir,
Vai me desnudando dos medos, tabús e receios,